O plenário do Tribunal de Contas do Estado (TCE/RN) concluiu o julgamento das contas do Governo do Estado relativas ao exercício de 2019 e, por 4 votos a 2, emitiu parecer pela aprovação das contas com ressalvas. A posição final seguiu o voto-vista apresentado pelo conselheiro George Soares que divergiu do voto original do relator, conselheiro Gilberto Jales, o qual defendia a emissão de parecer prévio pela reprovação.
A divergência entre os dois votos se concentrou na interpretação da gravidade das irregularidades apontadas pela área técnica e pelo Ministério Público de Contas, especialmente diante do contexto em que o governo iniciou o mandato e a expedição no dia 02 de janeiro de 2019 de um decreto de estado de calamidade financeira no Estado do Rio Grande do Norte.
Em seu voto, o conselheiro Gilberto Jales elencou seis irregularidades centrais que, segundo ele, impediam a aprovação das contas de 2019:
- Avaliação atuarial intempestiva do regime próprio de Previdência, que deixou de registrar provisões matemáticas obrigatórias.
- Concessão de reajustes e vantagens salariais mesmo com o Executivo acima do limite de pessoal da LRF.
- Descumprimento do dever de recondução da despesa com pessoal aos limites legais.
- Cancelamento de restos a pagar processados sem justificativas consideradas suficientes.
- Renúncia fiscal acima do projetado, sem comprovação de medidas compensatórias.
- Execução de investimentos pela Potigás acima da LOA, sem créditos adicionais autorizados.
Esses pontos, na avaliação do relator, configuravam violação de normas fiscais e financeiras e justificavam parecer pela desaprovação.
A mudança de entendimento no voto-vista
O conselheiro George Soares apresentou voto-vista defendendo que as irregularidades tinham caráter formal ou de baixa materialidade, não comprometendo a fidedignidade global das contas nem indicando dolo ou dano ao erário.
O voto-vista rebateu ponto a ponto as principais irregularidades elencadas. Sobre a avaliação atuarial da Previdência fora do prazo, o conselheiro George Soares destacou que ela ocorreu por dificuldades operacionais estruturais do sistema previdenciário. Documentos mostraram que o IPERN iniciou o processo ainda no primeiro trimestre de 2019, mas enfrentou dificuldade para consolidar dados fornecidos de forma fragmentada por diversos órgãos, muitos ainda sem sistemas integrados. Além disso, a falta de cálculo atuarial não causou desequilíbrio financeiro, e o governo regularizou a situação posteriormente. O voto citou precedentes dos TCEs do Espírito Santo e da Paraíba, que tratam atrasos em avaliações atuariais como impropriedades sanáveis quando não geram dano nem ocultam obrigações.
O voto analisou cada ato de concessão de reajuste e o comprometimento da folha em relação a Receita do Estado acima dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e concluiu que parte das medidas citadas no relatório original não promoveu qualquer alteração na estrutura salarial das categorias, sem ter representado aumento de despesas. A lei que resultou na reestruturação da carreira da Polícia Militar foi justificada pela necessidade de encerrar de uma greve após acordo pela recomposição salarial da categoria e assim evitar uma calamidade na Segurança Pública. A outra lei citada é que concedeu reajuste de 4,17% do magistério, o entendimento foi de que ela foi sancionada para cumprimento da Lei do Piso Nacional, não configurando aumento discricionário. O voto destaca que a própria jurisprudência do TCE e dos tribunais superiores reconhece que reajustes vinculados a pisos remuneratórios não se submetem à mesma lógica de vedação da LRF, por se tratarem de obrigações legais, embora não preveja a extensão a toda a categoria. E considerou também as medidas legais tomadas pelo governo para conter os gastos com pessoal com uma redução de 66% para 58% na despesa com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida, caso as folhas de pessoal relativas a 2018 tivessem sido contabilizadas naquele ano e não ficado para pagamento no ano seguinte.
Em relação aos Restos a Pagar, o parecrr ressaltou que os cancelamentos analisados decorreram de motivações administrativas comprovadas, como contratos encerrados, glosas técnicas, inconsistências documentais e reprocessamento de empenhos.
"Os autos mostraram que não houve tentativa de maquiar despesas ou melhorar artificialmente resultados fiscais". O voto reforçou que, em 2019, o governo ainda trabalhava para reorganizar o passivo herdado de exercícios anteriores, o que exigiu revisões e depurações contábeis e considerou o item sem materialidade e sem impacto no erário, considerando uma impropriedade tratada com recomendação.
No item referente à renúncia fiscal acima do projetado, o voto-vista identificou que a diferença entre o estimado e o executado foi de apenas 3,7%, considerada irrisória para efeito de análise de contas globais do governo. O conselheiro ainda apontou que a arrecadação naquele ano foi maior do que o previsto e que o acréscimo da renúncia foi compensado pelo crescimento da receita não havendo, portanto, qualquer colaboração para o desequilíbrio fiscal das contas públicas.
Já quanto aos investimentos pela Potigás acima da LOA sem créditos adicionais autorizados, foi apontado no voto vista que a empresa é uma sociedade de economia mista, com personalidade jurídica de direito privado e autonomia orçamentária e financeira. Por isso, sua execução não segue a mesma lógica rígida do orçamento fiscal e não configura violação ao art. 42 da Lei 4.320/1964.
O descompasso entre o orçamento estatal e o plano de negócios da empresa é comum e não gera dano ao Tesouro, já que a gestão é realizada com receitas próprias e o voto concluiu que o excesso executado foi impropriedade procedimental, sem repercussão financeira para o Estado.
Ao final, o conselheiro apresentou parecer pela aprovação das contas com ressalvas. Com a maioria dos conselheiros acompanhando o voto-vista, o TCE/RN emitiu parecer pela aprovação com ressalvas das contas de 2019 e fixou recomendações de medidas a serem adotadas pelo Executivo estadual. O processo agora segue para a Assembleia Legislativa a quem cabe o julgamento final das prestações de contas anuais do Governo do Estado.
Determinações e auditorias sugeridas pelo relator original poderão seguir em processos apartados, mas sem afetar o parecer sobre o exercício.